Health in the Americas 2022

Acelerando a eliminação de doenças

Capítulo 1. Visão geral da Iniciativa de Eliminação de Doenças

Mulher segurando sua filha

Resumo

A Iniciativa de Eliminação de Doenças é uma estrutura abrangente com o objetivo de eliminar mais de 30 doenças transmissíveis e condições relacionadas na Região das Américas até 2030. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) tem uma longa trajetória na eliminação de doenças, e a iniciativa baseia-se em mais de 120 anos de esforços na área da saúde pública. Adotando uma abordagem integrada e multissetorial para lidar com padrões complexos de transmissão de doenças, a Iniciativa de Eliminação de Doenças se concentra em quatro áreas principais: 1) fortalecimento da integração dos sistemas de saúde e da prestação de serviços; 2) fortalecimento dos sistemas estratégicos de vigilância e informação em saúde; 3) enfrentamento dos determinantes ambientais e sociais da saúde; e 4) fortalecimento da governança, gestão e finanças. A iniciativa enfatiza a equidade, tendo como alvo populações em situação de vulnerabilidade e considerando todo o curso de vida em sua abordagem.

Poucos meses após o lançamento da Iniciativa de Eliminação de Doenças, teve início a pandemia de COVID‑19, desacelerando os esforços da iniciativa. Embora o progresso tenha sido retomado após a pandemia, várias outras barreiras ainda ameaçam retardar o progresso dos esforços de eliminação de doenças. Entre elas estão a migração, o aumento das doenças não transmissíveis, as iniquidades em saúde, a mudança do clima e as limitações de recursos. Apesar desses obstáculos, existem oportunidades na forma de melhorias tecnológicas, maior conscientização sobre os determinantes sociais da saúde e inovações na prestação de serviços que foram aceleradas pela pandemia de COVID‑19. A Iniciativa de Eliminação de Doenças propicia uma estrutura para que os países aproveitem essas oportunidades e abordem seus contextos e prioridades específicos na luta contra as doenças transmissíveis.

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Por que a Iniciativa de Eliminação de Doenças foi lançada e por que agora?

Na década de 2010, a Região das Américas estava em uma encruzilhada no que se referia à eliminação de doenças transmissíveis. Embora a OPAS e os Estados Membros tivessem obtido grande êxito no enfrentamento de determinadas doenças, principalmente doenças imunopreveníveis como a rubéola e o sarampo, novos problemas estavam surgindo ou se tornando ainda mais prementes. Apesar do progresso na melhoria dos sistemas de saúde, no desenvolvimento de novas tecnologias e no fortalecimento de parcerias multissetoriais, havia mais retrocessos e desafios do que nunca. A mudança do clima, a hesitação vacinal, as desigualdades de acesso a serviços de saúde e as novas doenças infecciosas eram apenas alguns dos problemas graves que a Região estava enfrentando no final da década de 2010. Claramente, os esforços existentes de eliminação de doenças eram insuficientes para lidar com os complexos padrões de transmissão de doenças que continuavam a sobrecarregar a Região.

Embora alguns programas abordassem diversas doenças ao mesmo tempo, muitas doenças continuavam sendo enfrentadas de forma isolada. A OPAS e os Estados Membros reconheceram a necessidade de uma estrutura mais ambiciosa e abrangente para integrar os serviços em uma escala mais ampla. Nesse contexto, a OPAS, sob a liderança de sua ex-Diretora Carissa Etienne, lançou uma nova e ousada iniciativa, que trouxe estrutura e pragmatismo ao complexo problema da eliminação de doenças transmissíveis. A iniciativa aproveitava as estruturas existentes (sistemas, tecnologia, programas integrados e amplas coalizões de partes interessadas) e acrescentava uma estrutura abrangente que reunia os sistemas para abordar mais de 30 doenças e condições de uma só vez. A iniciativa também enfatizava uma abordagem centrada na comunidade e na pessoa, de forma a assegurar que os Estados Membros não deixassem ninguém para trás nos esforços para conter as doenças transmissíveis em toda a Região.

Mapa da Região das Américas

Como foi criada a Iniciativa de Eliminação de Doenças?

Encontros importantes, como a Consulta Regional sobre Eliminação de Doenças nas Américas de 2015, ajudaram a reunir argumentos em prol da eliminação de diversas doenças e impulsionar esforços nesse sentido. Com a liderança da OPAS, especialistas regionais elaboraram então o modelo do que se viria a ser a Iniciativa de Eliminação de Doenças. Diferentemente dos programas anteriores, essa iniciativa foi criada não apenas para combinar doenças com modos de transmissão semelhantes (por exemplo, sífilis e HIV), mas também para combater grandes categorias de doenças e condições responsáveis pelas maiores cargas de doença na Região.

No final, a OPAS e os Estados Membros incluíram mais de 30 doenças e condições relacionadas na Iniciativa de Eliminação de Doenças, que foi aprovada pelo Conselho Diretor da OPAS em setembro de 2019. A ratificação da iniciativa se alinhava com os compromissos dos Estados Membros da OPAS com políticas relacionadas de desenvolvimento e saúde, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (que gerou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e a Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018–2030 (1, 2).

Vacinação contra a COVID-19 no Brasil© OPAS

Em março de 2020, apenas seis meses após o lançamento da Iniciativa de Eliminação de Doenças, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a COVID‑19 era uma emergência mundial. O agravamento repentino da pandemia causou sérios transtornos na vida cotidiana, sobrecarregou os sistemas de saúde de muitos países (reduzindo o acesso e a disponibilidade de serviços de saúde não relacionados à COVID‑19), interrompeu as cadeias de abastecimento e desencadeou uma crise econômica devido ao fechamento de empresas e ao aumento do desemprego. Com o alto número de casos e mortes na Região das Américas, a COVID‑19 também revelou e exacerbou as desigualdades existentes.

O diretor da OPAS, Dr. Jarbas Barbosa da Silva (o terceiro da esquerda para a direita), reunido com autoridades da América LatinaEmbora a COVID‑19 tenha destacado as lacunas dos sistemas de saúde, também criou novas oportunidades para a prestação de serviços mais abrangentes. Com isso em mente, o atual Diretor da OPAS, Jarbas Barbosa da Silva Jr., ratificou e relançou em 2023 a Iniciativa de Eliminação de Doenças. Esse novo foco na iniciativa se tornou uma oportunidade crucial para encorajar os Estados Membros, não apenas para fortalecer os sistemas para melhor enfrentar o problema da eliminação de doenças transmissíveis, mas também para promover a recuperação dos retrocessos observados durante a pandemia. No período pós-pandemia, esforços integrados de eliminação de diversas doenças podem, em última análise, ajudar os países a retomar e acelerar o progresso rumo à saúde universal.

 

Quadro 1. O que é a “abordagem integrada” para a eliminação de doenças?

O termo “abordagem integrada” é usado ao longo deste relatório. Em termos práticos, isso significa abordar diversas áreas e serviços de saúde em conjunto para maximizar os resultados de saúde. A OMS define serviços de saúde integrados como “serviços gerenciados e prestados de modo que as pessoas recebam um continuum de serviços de promoção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e manejo de doenças, reabilitação e cuidados paliativos, coordenados entre os diferentes níveis e locais de atendimento dentro e fora do setor de saúde e de acordo com as suas necessidades ao longo de todo o curso de vida” (a). (a)

As abordagens integradas podem se manifestar de várias maneiras e podem incluir uma combinação de prestação de serviços em um só local, promoção de encaminhamentos e vinculações entre prestadores, junção dos esforços de monitoramento e vigilância e promoção de políticas multissetoriais focadas nas necessidades das pessoas no contexto em que vivem.

Alguns exemplos de abordagens integradas relacionadas à eliminação de doenças são:

  • definir o conteúdo e priorizar a abordagem de rastreamento de doenças e tratamento em uma única consulta na atenção primária à saúde, bem como fortalecer os sistemas de encaminhamento;
  • combinar o monitoramento e vigilância de diferentes doenças e temas de saúde;
  • aproveitar intervenções em maternidades para vacinar recém-nascidos e fazer a triagem neonatal e/ou rastrear e tratar doenças de transmissão vertical em gestantes e recém-nascidos;
  • capacitar o pessoal de clínicas de saúde sexual e reprodutiva em rastreamento, tratamento e prevenção de HIV, sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), hepatite B e C, cânceres relacionados ao papilomavírus humano (HPV) e tuberculose;
  • integrar água, saneamento e higiene a iniciativas habitacionais para melhorar as condições de vida que afetam diversas doenças;
  • usar abordagens custo-efetivas de manejo integrado de vetores para controlar doenças transmitidas por vetores;
  • considerar o impacto do manejo de doenças crônicas transmissíveis no contexto da eliminação de doenças transmissíveis;
  • reconhecer os vínculos entre a saúde das pessoas, dos animais e do ambiente compartilhado, usando a abordagem de Saúde Única;
  • implementar clínicas e equipes de saúde móveis como uma solução para os problemas de transporte que podem impedir que as pessoas cheguem aos centros de saúde;
  • incorporar práticas tradicionais de cura aos sistemas de saúde para reconhecer e abordar questões interculturais.

(a) Organização Mundial da Saúde. Marco sobre servicios de salud integrados y centrados en la persona: Informe de la Secretaría [Documento A69/39]. 69ª Assembleia Mundial da Saúde. Genebra: OMS; 2016. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA69/A69_39-sp.pdf.

 

Por que a “abordagem integrada” é importante para a eliminação de doenças?

A estrutura da Iniciativa de Eliminação de Doenças requer a mobilização de todo o sistema de saúde para que os programas e serviços de saúde não sejam executados de forma isolada. A abordagem da iniciativa também considera as necessidades específicas de cada ambiente e população, contextualizando os problemas regionais e transfronteiriços que afetam os programas de saúde e os esforços de eliminação de doenças. Por fim, um dos motivos mais importantes para usar uma abordagem integrada é assegurar uma atenção mais centrada na comunidade e na pessoa, com foco não nas doenças em si, e sim nas pessoas e comunidades mais afetadas por elas.

Na Região das Américas, há numerosas doenças transmissíveis e condições relacionadas de grande alcance. Por isso, a Iniciativa de Eliminação de Doenças inclui doenças selecionadas que representam uma grande carga e afetam de forma desproporcional comunidades em situação de vulnerabilidade, entre elas: populações indígenas e afrodescendentes; pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans (LGBT); e migrantes. Na formulação da política, a OPAS também priorizou doenças que podem ser facilmente combatidas usando as ferramentas e tecnologias existentes.

A Iniciativa de Eliminação de Doenças reconhece e promove vínculos e sinergias dentro do sistema de saúde, bem como com outros setores. Intervenções multissetoriais são de extrema importância para muitas das doenças da iniciativa. Para que a implementação dessa estrutura integrada seja bem-sucedida, é necessário envolver uma ampla gama de partes interessadas, como diversos setores do governo, patrocinadores, doadores e financiadores, representantes e organizações da sociedade civil e o setor privado.

Doenças e condições relacionadas incluídas na Iniciativa de Eliminação de Doenças

A Tabela 1 enumera as doenças e condições relacionadas incluídas na Iniciativa de Eliminação de Doenças como candidatas a eliminação até 2030.

Eliminação da doença

  • Epidemias de meningite bacteriana
  • Câncer do colo do útero
  • Doença de Chagas
  • Cólera
  • Doença de Chagas congênita
  • Sífilis congênita
  • Equinococose/hidatidose cística
  • Fasciolíase
  • Hepatite B e C
  • Transmissão materno-infantil (TMI) de hepatite B
  • TMI de HIV
  • HIV/aids
  • Raiva humana transmitida por cães
  • Hanseníase
  • Filariose linfática
  • Malária
  • Oncocercose
  • Peste
  • Esquistossomose
  • Infecções sexualmente transmissíveis
  • Geo-helmintíases
  • Tracoma
  • Tuberculose

Eliminação de determinantes ambientais da saúde

  • Defecação a céu aberto
  • Uso doméstico de combustíveis poluentes

Manutenção da eliminação

  • Rubéola congênita
  • Sarampo
  • Tétano neonatal
  • Poliomielite
  • Rubéola
  • Epidemia de febre amarela

Erradicação

  • Febre aftosa
  • Bouba

Figura 1. Esforço renovado para acelerar a eliminação

O conceito de eliminação envolve muitas técnicas e modalidades, dependendo da doença em questão. O Quadro 2 apresenta a definição dos diferentes níveis de eliminação de doenças (3).

Quadro 2. Definição dos diferentes níveis de eliminação de doenças

Eliminação como problema de saúde pública

Eliminação da transmissão

Erradicação

Extinção

Alcance de metas mundiais mensuráveis estabelecidas pela OMS com relação a uma doença específica. Quando essas metas são atingidas, são necessárias ações contínuas para mantê-las ou para avançar rumo à eliminação da transmissão.

Também denominada interrupção da transmissão, é a redução a zero da incidência de uma infecção causada por um patógeno específico em uma área geográfica definida, com risco mínimo de reintrodução, como resultado de esforços deliberados.

Redução permanente a zero de um patógeno específico como resultado de esforços deliberados, sem risco de reintrodução.

Erradicação de um patógeno específico de maneira que não exista mais na natureza nem em laboratório, o que pode ocorrer com ou sem esforços deliberados.

Um modelo ousado para a eliminação

A estrutura conceitual da Iniciativa de Eliminação (vide Figura 2) pode ser adaptada e implementada pelos Estados Membros. Além de apresentar as quatro linhas de ação (detalhadas a seguir), ela reconhece que os esforços de eliminação de doenças geralmente requerem intervenções voltadas para fases específicas do curso de vida, por exemplo: gestantes, pré-escolares, crianças em idade escolar, adolescentes, adultos em idade laboral ou pessoas idosas.

Um casal indígena com seu bebê na América LatinaA Iniciativa de Eliminação de Doenças também prioriza abordagens fundamentadas em perspectivas de igualdade de gênero, direitos humanos e populações em situação de vulnerabilidade para abordar os determinantes sociais da saúde, conforme definido pela OMS (“as condições em que as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem e envelhecem e o conjunto mais amplo de forças e sistemas que moldam as condições da vida cotidiana”) (4). A iniciativa se concentra em grupos que estejam enfrentando uma maior carga de doença devido a fatores sociais, econômicos e sistêmicos complexos, como mulheres, povos indígenas, afrodescendentes, comunidades rurais, pessoas LGBT, migrantes e pessoas privadas de liberdade. Conforme os países avançam rumo à eliminação de doenças, a iniciativa trabalha para compreender e eliminar problemas preexistentes que prejudicam os esforços nessas comunidades.

 

Figura 2. Estrutura conceitual: Linhas de ação para a eliminação integrada de doenças transmissíveis na Região das Américas ao longo do curso de vida

 

As quatro linhas de ação

Foram elaboradas quatro linhas de ação para guiar a Iniciativa de Eliminação de Doenças, fortalecer as capacidades dos países e assegurar que a iniciativa seja sustentável. Cada linha de ação é detalhada abaixo:

1 Fortalecimento da integração dos sistemas de saúde e da prestação de serviços
Embora sejam efetivos para atingir metas específicas, programas verticais de saúde podem criar barreiras para uma atenção integral à saúde. A Iniciativa de Eliminação de Doenças aborda esse problema combinando várias intervenções de doenças nos serviços existentes e desenvolvendo abordagens inovadoras, com foco no fortalecimento da atenção primária à saúde em nível comunitário. Essa estratégia abrangente melhora a integração de serviços em várias áreas da saúde, aumenta a demanda por serviços de saúde e fortalece os vínculos entre os serviços de saúde e a comunidade, garantindo o acesso a medicamentos e tecnologias em saúde essenciais. Ao promover serviços de saúde integrados de alta qualidade, a abordagem contribui para que as metas de eliminação de diversas doenças sejam atingidas e mantidas, melhorando os resultados gerais de saúde de indivíduos e comunidades.

2 Fortalecimento dos sistemas estratégicos de vigilância e informação em saúde
Os sistemas de informação em saúde geralmente funcionam de forma isolada, com vigilância fragmentada entre setores e comunicação limitada entre o nível comunitário, regional e nacional. A integração desses sistemas pode criar eficiências e sinergias para combater as diversas doenças e condições da Iniciativa de Eliminação de Doenças. Essa integração requer o fortalecimento da capacidade dos países de atualizar e unificar os sistemas de vigilância, permitindo maior efetividade na detecção, avaliação, monitoramento e notificação dos dados de saúde em todas as áreas programáticas relevantes. Além disso, a interoperabilidade dos sistemas de informações em saúde é vital para a eliminação de doenças. Ela ajuda a fortalecer o fluxo de informações para melhorar a tomada de decisão e propicia maior continuidade da atenção e a colaboração transfronteiriça necessária para que os esforços regionais de eliminação de doenças sejam efetivos.

3 Enfrentamento dos determinantes ambientais e sociais da saúde
As doenças transmissíveis afetam de forma desproporcional comunidades com recursos limitados e outros grupos marginalizados. Em geral, as doenças da Iniciativa de Eliminação de Doenças estão vinculadas a diversos determinantes sociais da saúde, como acesso a água potável e saneamento básico, condições de moradia, riscos da mudança do clima, iniquidade de gênero, estigma e discriminação, fatores socioculturais e pobreza, entre outros. Mesmo intervenções custo-efetivas e baseadas em evidências para doenças transmissíveis (como a vacinação, por exemplo) têm um impacto limitado quando as iniquidades em saúde relacionadas aos determinantes sociais e ambientais não são enfrentadas. Portanto, intervenções centradas nas pessoas precisam estar direcionadas para as causas primárias das disparidades. Enfrentar esses mecanismos pode ajudar a quebrar os ciclos de pobreza (e outras fontes de iniquidade), priorizando de forma mais efetiva a eliminação de diversas doenças.

4 Fortalecimento da governança, gestão e finanças
Para implementar plenamente programas integrados de saúde, é essencial promover e normalizar a colaboração intersetorial, não apenas entre diferentes órgãos governamentais (por exemplo, instituições de saúde, educação e finanças), mas também com setores não governamentais. Para coordenar diversos parceiros, esse processo precisa incluir o diálogo com o setor privado e a sociedade civil, além de vários setores governamentais. Isso permite que as autoridades sanitárias estabeleçam funções e responsabilidades claras para cada ator envolvido na agenda de eliminação de doenças transmissíveis. Especificamente, é crucial fortalecer a liderança das jurisdições estaduais e municipais (bem como da sociedade civil, por meio de acordos governamentais) no processo decisório para assegurar que as iniciativas e intervenções de saúde sejam adaptadas ao contexto comunitário.

Quadro 3. Exemplos de ações da Iniciativa de Eliminação de Doenças

Fortalecimento da integração dos sistemas de saúde e da prestação de serviços:

  • Desenvolver capacidades de profissionais da atenção primária à saúde em uma série de temas para que possam detectar e resolver diversos problemas de saúde (rastreamento, diagnóstico e tratamento) em uma única consulta.
  • Fortalecer os serviços laboratoriais e diagnósticos em nível comunitário.
  • Melhorar o planejamento, a compra e o fornecimento de insumos de saúde pública, como vacinas e antivirais, para os programas nacionais.

Fortalecimento dos sistemas estratégicos de vigilância e informação em saúde

  • Realizar o mapeamento combinado de todas as doenças e condições da Iniciativa de Eliminação de Doenças para melhor identificar padrões, destinar os recursos de maneira eficiente e coordenar estratégias voltadas para diversas doenças de forma efetiva.
  • Oferecer capacitação e assessoria para as pessoas que gerenciam os sistemas de informação em saúde e monitoramento ambiental.
  • Fornecer feedback periódico a todas as partes interessadas sobre os avanços no roteiro de eliminação.

Enfrentamento dos determinantes ambientais e sociais da saúde

  • Promover a participação da sociedade civil na governança e planejamento e mapeamento participativo em nível local para determinar os principais caminhos para a eliminação de doenças transmissíveis.
  • Promover abordagens multiculturais como parte do empoderamento das comunidades.
  • Melhorar a colaboração intersetorial para resolver uma série de problemas, desde o acesso básico a água e saneamento até a gestão de resíduos sólidos e a melhoria das moradias, entre outros.

Fortalecimento da governança, gestão e finanças

  • Fortalecer a confiança e as parcerias com os governos municipais e a sociedade civil rumo às metas da Iniciativa de Eliminação de Doenças.
  • Mobilizar recursos locais, sub-regionais e regionais para assegurar a sustentabilidade dos esforços de combate a doenças transmissíveis.
  • Reforçar os compromissos financeiros para aumentar o acesso a tecnologias em saúde inovadoras e custo-efetivas

Marcos e conquistas históricas da Região: 1902 até hoje

Quadro 4. A OPAS tem uma longa trajetória na eliminação de doenças

Na década de 1870, uma epidemia de febre amarela atingiu a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. Em oito anos, a epidemia chegou aos Estados Unidos, matando mais de 20 mil pessoas. O transporte marítimo, que estava se expandindo rapidamente junto com o comércio internacional, era o principal canal de propagação internacional de doenças ao final do século XIX. A necessidade de proteger a saúde das pessoas e as economias dos países por meio do controle da transmissão da febre amarela na Região levou à criação, em dezembro de 1902, do que hoje se conhece como OPAS.

A rica história da OPAS no combate às doenças transmissíveis

Desde a fundação da OPAS em 1902, a Região tem feito progressos significativos rumo à eliminação de doenças. As primeiras conquistas marcantes incluíram um considerável progresso contra a febre amarela, principalmente após a descoberta de que a doença era transmitida por mosquitos, no início do século XX. Outro marco inicial foi o reconhecimento, pela Organização, da saúde como um direito de todos os países e de todas as pessoas, por meio do Código Sanitário Pan-Americano, ratificado em 1924 e ainda em vigor.

Embora as vacinas contra raiva e varíola já tivessem sido introduzidas na Região no século XIX, várias outras vacinas se tornaram disponíveis em meados do século XX, como a vacina contra difteria, tétano e pertússis (disponível na década de 1920); febre amarela (década de 1930); influenza (década de 1940); e poliomielite (década de 1950). Ainda que a disponibilidade e a adoção dessas vacinas fossem muito variáveis, em meados do século XX a Região começou a observar reduções drásticas em algumas doenças transmissíveis. Outras conquistas significativas durante as primeiras décadas da OPAS foram as campanhas bem-sucedidas de controle de vetores a partir da década de 1940. Em 1946, foi aprovada uma resolução para erradicar o mosquito Aedes aegypti (vetor da febre amarela e de outras doenças) na Região. O mosquito foi eliminado em vários países na década de 1960. Também houve grande redução na prevalência da malária, em grande parte graças aos esforços de controle de mosquitos iniciados na década de 1940 e ao lançamento de uma campanha ambiciosa em 1954. Embora a doença de Chagas não tenha sido totalmente eliminada, os esforços de controle da doença também fizeram progressos consideráveis por meio de melhoria das moradias e uso de inseticidas.

No início da década de 1950, o conceito de erradicação de determinadas doenças infecciosas ganhou força na Região das Américas, sobretudo no caso da malária, da febre amarela e até mesmo da tuberculose. Além disso, as campanhas contra a bouba nas décadas de 1950 e 1960 praticamente eliminaram a doença em muitos países. Na década de 1960, os líderes da OPAS começaram a discutir a importância de integrar e fortalecer os serviços de saúde, o que teve um grande impacto nas campanhas de eliminação de doenças que viriam mais tarde.

Esforços renovados para acelerar a eliminação de doenças

A Região das Américas acabou eliminando a varíola em 1973, e sua erradicação ocorreu em 1980. Em 1994, a Região foi certificada como livre da poliomielite, após décadas de trabalho para controlar a epidemia. Em décadas recentes, a Região continuou a progredir rumo à eliminação da malária e de várias doenças infecciosas negligenciadas, como a hanseníase, a filariose linfática e a oncocercose (cegueira dos rios). Muito países também conseguiram reduzir consideravelmente a doença de Chagas, as geo-helmintíases, a esquistossomose e a fasciolíase em crianças e outras populações em risco. Além disso, uma das melhores histórias de sucesso mundial na eliminação da transmissão materno-infantil (TMI) vem da Região das Américas. Em 2015, Cuba recebeu a validação da OPAS e OMS como o primeiro país do mundo a eliminar a TMI de HIV e sífilis (5). Na última década, a rubéola, a síndrome da rubéola congênita e o tétano neonatal também foram eliminados da Região.

Desde sua fundação, o apoio técnico e o poder de convocação da OPAS têm sido cruciais para reunir diversas partes interessadas em torno de uma missão comum de eliminar doenças. Essas conquistas, porém, são o resultado de esforços de colaboração entre a OPAS e os Estados Membros, com fortes compromissos de governos, profissionais de saúde, comunidades, parceiros e doadores. Com base em mais de um século de evidências científicas sólidas, a OPAS fez um forte apelo à ação e aproveitou as conquistas do passado ao lançar a Iniciativa de Eliminação de Doenças.

Quadro 5. Compromissos que antecederam a Iniciativa de Eliminação de Doenças

A Iniciativa de Eliminação de Doenças não foi, obviamente, o primeiro compromisso em eliminar doenças na Região das Américas. Especialmente nas últimas décadas, os Estados Membros da OPAS aprovaram dezenas de resoluções para eliminar doenças, e algumas delas abrangiam diversas doenças. Os casos a seguir são apenas alguns exemplos dessas resoluções e compromissos da Região:

  • Uma resolução da OPAS foi aprovada em 1990 para eliminar várias doenças até o ano 2000, incluindo poliomielite, sarampo, tétano neonatal, raiva e febre aftosa.
  • A partir do ano 2000, os esforços da OPAS e dos Estados Membros para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram fundamentais para a continuidade do progresso rumo à eliminação de doenças.
  • Uma resolução da OPAS de 2009 previa a eliminação ou controle de 12 doenças negligenciadas na Região das Américas até 2015.
  • Uma resolução da OPAS de 2009 previa a eliminação ou controle de 12 doenças negligenciadas na Região das Américas até 2015.
  • Em 2015, a Consulta Regional sobre Eliminação de Doenças nas Américas mobilizou os Estados Membros em torno dessa questão e gerou o modelo inicial da Iniciativa de Eliminação de Doenças.
  • Um plano de ação de 2016 buscava prevenção, controle e redução da carga de doença associada a doenças infecciosas negligenciadas.

Devido a esses compromissos contantes, juntamente com enormes esforços em toda a Região para aumentar as taxas de vacinação, reforçar as capacidades dos países, fortalecer os sistemas de saúde e aumentar o financiamento interno, os esforços de eliminação de doenças estavam ganhando força em 2019, quando a Iniciativa de Eliminação de Doenças foi lançada. Entretanto, essas resoluções ofereciam apenas parte da solução e incluíam somente determinados grupos de doenças. A iniciativa introduziu uma estrutura maior e mais ousada para eliminar diversas doenças em várias frentes.

Um grupo de crianças correndo e brincando na América Latina© OPAS

Abordagens derivadas de esforços anteriores de eliminação de doenças

Ao longo do tempo, a OPAS e os Estados Membros documentaram experiências e conhecimentos práticos relacionados à eliminação de doenças que serviram de base para a Iniciativa de Eliminação de Doenças, inclusive para as linhas de ação. Alguns dos principais aprendizados e abordagens incorporados à iniciativa estão resumidos a seguir.

Benefícios de programas integrados

Tradicionalmente, os esforços de eliminação de doenças se concentravam em doenças isoladas. Embora cada doença precise, de fato, ser compreendida separadamente — com uma análise dos modos de transmissão, tratamento efetivo, vacinas, etc. —, considerar cada doença de forma isolada pode ser um tanto limitado. Ao explorar diversas doenças ao mesmo tempo, os Estados Membros identificaram desafios comuns relacionados a políticas, programas e serviços. Por exemplo, as doenças imunopreveníveis geralmente compartilham fatores de risco, modos de transmissão, insumos e medidas de prevenção. Sistemas de saúde que adotam uma abordagem mais integrada para gerenciar os programas de doenças podem ser mais eficazes para alcançar objetivos comuns.

Com o tempo, a OPAS e os Estados Membros começaram a compreender a necessidade de encontrar soluções e planejar programas para combater diversas doenças simultaneamente. Em 2015, a OPAS convocou a Consulta Regional sobre Eliminação de Doenças na Região das Américas para discutir o progresso dos esforços de eliminação na Região e agrupar vários mandatos e estratégias focados em doenças transmissíveis específicas em um só pacote integrado. A consulta destacou inúmeras sinergias e oportunidades de colaboração e integração dos programas de eliminação de doenças a fim de reduzir a fragmentação, melhorar a relação custo-efetividade e atender melhor às necessidades das comunidades. Por exemplo, os programas podem aproveitar os diagnósticos compartilhados, usando as mesmas plataformas de amostragem e testagem para diagnosticar diversas doenças de forma eficiente (o que, além de reduzir custos, garante diagnósticos oportunos e precisos de muitas doenças). Em resumo, os especialistas que participaram da consulta reconheceram a importância da integração em todos os níveis: serviços de atenção à saúde, serviços laboratoriais e de diagnóstico, capacitação de prestadores e sistemas de informação (6). Essa reunião serviu de base para a Iniciativa de Eliminação de Doenças.

Esses conhecimentos contribuíram para a linha de ação estratégica 1 da Iniciativa de Eliminação de Doenças: fortalecimento da integração dos sistemas de saúde e da prestação de serviços.

Necessidade de sistemas mais robustos para intercâmbio de conhecimentos e informações

Ao longo das décadas, conforme monitoravam doenças e condições relacionadas, a OPAS e os Estados Membros perceberam a necessidade de sistemas de coleta de dados mais robustos para que o compartilhamento e o intercâmbio de informações e conhecimentos fosse efetivo. A Consulta Regional de 2015 identificou a necessidade de uma agenda de pesquisa focada na superação de obstáculos e apontou a necessidade de soluções que pudessem ser usadas imediatamente em campo e ajudassem os países a atingirem as metas de eliminação. Apontou também a necessidade de dados de vigilância de qualidade (6).

Sem sistemas de vigilância oportunos e eficientes que abranjam todos os níveis do sistema de saúde (do nível local ao regional e nacional), os Estados Membros não podem tomar decisões informadas com relação a políticas, financiamento e serviços. Sistemas mais robustos de dados podem ajudar a garantir que se saiba onde estão as lacunas; é possível ver quais grupos estão sendo deixados para trás, quais doenças não estão sendo abordadas e onde são necessários recursos adicionais. A tecnologia está em constante avanço, e agora os Estados Membros têm acesso a sistemas mais sofisticados de saúde digital e compartilhamento de dados. A Iniciativa de Eliminação de Doenças está ajudando a assegurar que esses sistemas estejam sendo fortalecidos, para que as evidências possam ser usadas de uma forma mais efetiva.

Esse conhecimento contribuiu para a linha de ação estratégica 2 da Iniciativa de Eliminação de Doenças: fortalecimento dos sistemas estratégicos de vigilância e informação em saúde.

Um trabalhador de saúde examina os olhos de uma mulher idosaImportância de abordar a saúde de forma integral

Ao longo do tempo, os Estados Membros aprenderam que as flutuações na carga de doença geralmente estão vinculadas aos determinantes sociais da saúde. Especificamente, muitas doenças e condições causam maior impacto em populações em situação de vulnerabilidade, marginalizadas do ponto de vista socioeconômico e/ou com dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Um exemplo disso é o tracoma, que geralmente afeta pessoas em situação de extrema pobreza. Sua transmissão é influenciada por determinantes sociais e ambientais, como condições sanitárias, higiene e superlotação (7). Outro exemplo é a tuberculose: fatores associados à pobreza, como ambientes superlotados e mal ventilados e subnutrição, são fatores de risco diretos para a transmissão da tuberculose (8). Ao adaptar as intervenções a grupos específicos, os sistemas de saúde podem assegurar que os esforços de eliminação de doenças sejam inclusivos, acessíveis e atendam às diversas necessidades de todos os membros da comunidade, principalmente de pessoas que são frequentemente ignoradas pelos sistemas de saúde tradicionais.

Além de considerar os determinantes sociais e ambientais da saúde, a iniciativa levou em consideração dados programáticos de muitos anos que ilustravam a importância de se considerar diferentes fases do curso de vida. Por exemplo, as gestantes têm um risco maior de sintomas graves quando infectadas por determinadas doenças, como sarampo ou malária.

Esse conhecimento contribuiu para a linha de ação estratégica 3 da Iniciativa de Eliminação de Doenças: enfrentamento dos determinantes ambientais e sociais da saúde.

Benefícios de uma abordagem multissetorial

A OPAS está em uma posição privilegiada para reunir as partes interessadas e dar continuidade ao impulso rumo à eliminação de doenças. Ao longo dos anos, a OPAS e seus parceiros juntaram coalizões de cientistas e grupos técnicos assessores relacionados a uma série de doenças, como tuberculose, HIV e doença de Chagas. Além disso, a OPAS facilita a colaboração multissetorial entre governos, financiadores, setor privado, comunidades, organizações da sociedade civil e outras partes interessadas. Entre outros benefícios, essa colaboração ajuda a reduzir os custos de insumos e vacinas para os Estados Membros. Por exemplo, por meio dos Fundos Rotativos Regionais, a OPAS melhorou o acesso à vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que é crucial para prevenir o câncer do colo do útero. Trabalhando com fabricantes privados no final dos anos 2000, a OPAS negociou, em nome dos países participantes, uma redução do preço da vacina contra o HPV, de mais de US$ 120 por dose em 2007 para menos de US$ 10 por dose (9).

Uma trabalhadora de saúde vacinando uma mulherEssa conquista exemplificou o impacto dos esforços multissetoriais no aumento da acessibilidade, inclusive econômica, de insumos essenciais de saúde para os Estados Membros da OPAS.

Outras parcerias multissetoriais no âmbito dos Estados Membros também se mostraram essenciais para os esforços de eliminação de doenças. Por exemplo, na área de prevenção e tratamento do HIV, as parcerias multissetoriais reuniram diversas partes interessadas, como governos, organizações não governamentais (ONGs), empresas, provedores de saúde, instituições de ensino e organizações religiosas. Essas colaborações possibilitaram uma abordagem mais abrangente, combinando recursos, conhecimento técnico e alcance para enfrentar vários aspectos da epidemia simultaneamente. Nas últimas décadas, essas parcerias facilitaram a divulgação mais ampla de informações sobre prevenção, melhoraram o acesso a exames e tratamentos e ajudaram a combater o estigma por meio de esforços coordenados em diferentes setores da sociedade.

Esse conhecimento serviu de base para a linha de ação estratégica 4 da Iniciativa de Eliminação: fortalecimento da governança, gestão e finanças.

 

Barreiras e lacunas

A Iniciativa de Eliminação de Doenças se baseia em anos de experiência na melhoria de sistemas de saúde e na promoção da cooperação entre diferentes setores. Entretanto, vários obstáculos podem impedir o progresso rumo aos objetivos da iniciativa:

  • Migração: O movimento de pessoas, tanto dentro dos países da Região quanto entre países, pode impactar de forma significativa a eliminação de doenças. Os principais problemas incluem o potencial de transmissão transfronteiriça de doenças, a redução do acesso dos migrantes à atenção à saúde, a falta de serviços de saúde que sejam sensíveis à cultura e as dificuldades de monitorar e gerenciar os esforços de prevenção e tratamento em comunidades móveis e transfronteiriças.
  • Dois meninos brincando na América Latina
  • Aumento das doenças não transmissíveis: O aumento das doenças não transmissíveis (DNTs) tornou-se um dos problemas mais prementes enfrentados na Região das Américas nos últimos anos (10). Exemplos de DNTs incluem diabetes, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer e doença pulmonar crônica (11). Além de competir por recursos financeiros limitados, as DNTs muitas vezes podem trazer complicações para o tratamento de doenças transmissíveis, principalmente infecções crônicas.
  • Iniquidades existentes em saúde: A literatura sugere de maneira incisiva que os grupos que enfrentam desigualdades sociais e econômicas têm um risco consistentemente maior de contrair doenças transmissíveis (12). As comunidades marginalizadas são mais suscetíveis a doenças transmissíveis devido a uma complexa interação de fatores. Entre eles estão acesso limitado à atenção à saúde, condições de vida precárias, disparidades econômicas, menor letramento em saúde e negligência sistêmica decorrente da discriminação e da falta de representação política. Além disso, quando essas comunidades são afetadas por essas doenças, elas podem exacerbar as condições de desigualdade, o que leva a um ciclo vicioso.
  • Estigma e discriminação: Os grupos que geralmente enfrentam estigma e discriminação relacionados à atenção à saúde incluem pessoas LGBT (principalmente pessoas transgênero), comunidades indígenas, imigrantes indocumentados, profissionais do sexo e pessoas que vivem com determinadas doenças transmissíveis (por exemplo, HIV, tuberculose e hepatite), além de uma série de outros grupos. O estigma e a discriminação nos ambientes de atenção à saúde podem minar esforços mais amplos de eliminação, desestimulando os indivíduos afetados a procurar atendimento (ou deixando de tratar esses indivíduos de forma efetiva quando buscam atendimento), o que resulta em atraso no diagnóstico e no tratamento, menor adesão aos esquemas terapêuticos e divulgação incompleta de informações de saúde aos prestadores.
  • Impacto da mudança do clima: A mudança do clima pode afetar os esforços da Iniciativa de Eliminação de Doenças de várias maneiras. Mudanças na temperatura, precipitação e umidade podem afetar a transmissão de doenças transmitidas por vetores. Além disso, alterações nos padrões climáticos e nos habitats podem levar ao surgimento de novos patógenos. A mudança do clima pode afetar a distribuição, o período e a intensidade das doenças infecciosas (13, 14). Além disso, pode exacerbar as condições de desigualdade, o que pode aumentar o risco de contrair doenças transmissíveis.
  • Interações homem-animal-ambiente: A eliminação de zoonoses negligenciadas, como a raiva, e a caracterização de reservatórios silvestres e vetores de doenças propensas a epidemias, como a febre amarela e a peste, requerem vigilância integrada e intervenções coordenadas. Isso pode ser resolvido por uma abordagem de Saúde Única.
  • Limitações de recursos: Sustentar os esforços de eliminação de doenças pode ser difícil em ambientes com restrições de recursos. O financiamento pode ser isolado e apertado, e as doenças transmissíveis impõem grandes desafios para os orçamentos de saúde dos governos, que já são limitados, conforme enfrentam um número crescente de ameaças à saúde, incluindo o aumento da incidência de DNTs e os impactos da mudança do clima na saúde. Além disso, grande parte da agenda e do financiamento em âmbito mundial tem sido direcionada a determinadas doenças de grande visibilidade, como HIV, tuberculose e malária, deixando outras em segundo plano, como as zoonoses e doenças infecciosas negligenciadas.
  • Novas doenças transmissíveis, como a COVID‑19: Como foi o caso no mundo todo, a pandemia de COVID‑19 ressaltou e amplificou a necessidade de sistemas e serviços de saúde mais fortes na Região das Américas. Quando surgem novas doenças, os países geralmente precisam desviar recursos e esforços para se concentrar nelas, prejudicando o progresso rumo à eliminação de doenças existentes (15). Além disso, novas doenças muitas vezes podem contribuir para uma “sindemia”, uma situação em que duas ou mais doenças ou condições de saúde interagem sinergicamente, contribuindo para uma carga de excessiva doença na população.
  • Resistência aos antimicrobianos: A resistência aos antimicrobianos (RAM) ameaça a prevenção e o tratamento efetivos de uma série de doenças infecciosas causadas por bactérias, parasitas, vírus e fungos (incluindo muitas das mais de 30 doenças incluídas na Iniciativa de Eliminação de Doenças). Especificamente, a RAM reduz a efetividade dos medicamentos usados no tratamento de infecções, o que pode dificultar ou impossibilitar o controle de doenças que antes podiam ser manejadas ou curadas, além de permitir a propagação de cepas resistentes de doenças. Isso pode prejudicar enormemente o progresso rumo às metas de eliminação.

Oportunidades

Trabalhadores de saúde em um evento na América LatinaApesar de enfrentar desafios, a Região também tem muitas oportunidades para alcançar a eliminação de doenças transmissíveis. A integração dos serviços de saúde, com ênfase na atenção primária à saúde, é uma prioridade geral para os governos que vai além das doenças transmissíveis, mas que pode ser aproveitada à medida que os países trabalham para eliminar as doenças transmissíveis. Estratégias transversais para o desenvolvimento de capacidades, incluindo mecanismos como os Fundos Rotativos Regionais, oferecem apoio crucial para assegurar uma distribuição oportuna e eficiente de medicamentos e tecnologias em saúde na Região. De modo semelhante, o foco na soberania da saúde na Região das Américas está ajudando a fortalecer a produção regional de vacinas, medicamentos e insumos de saúde pública, o que ajuda a garantir o acesso a esses produtos essenciais.

O reconhecimento cada vez maior do envolvimento da comunidade, inclusive na pesquisa participativa, oferece possíveis soluções para os desafios atuais, principalmente no que diz respeito ao atendimento das necessidades de grupos marginalizados e à criação de demanda por serviços relacionados às doenças-alvo. O aprimoramento da tecnologia também representa um instrumento importante e inovador de vigilância, tratamento, integração e manejo de doenças. Conforme os governos se tornam mais conscientes dos determinantes sociais da saúde, conseguem atender de forma mais efetiva às necessidades holísticas dos indivíduos, ajudando a quebrar o ciclo vicioso de risco de doença entre comunidades marginalizadas.

Além disso, o próprio conceito da Iniciativa de Eliminação de Doenças oferece uma grande oportunidade. O termo “eliminação” transmite uma mensagem forte que pode ser atraente para governos e políticos e indicar uma forma de mostrar resultados e criar mudanças reais. Isso pode gerar interesse e compromissos políticos.

Por fim, embora a pandemia de COVID‑19 tenha apresentado grandes desafios para os sistemas de saúde de toda a Região, também trouxe oportunidades únicas. Por um lado, aumentou drasticamente a conscientização sobre a importância da saúde para a estabilidade social, econômica e política, além de acelerar a adoção de determinadas inovações relacionadas à prestação de serviços. Isso criou oportunidades únicas para que essas inovações também sejam usadas em futuros desafios na área da saúde (15).

Foto de uma mãe com seu bebê, com um texto que diz: A Iniciativa de Eliminação de Doenças propicia uma estrutura para que os países aproveitem essas oportunidades de maneira estratégica, multissetorial e escalonada a fim de atender aos seus contextos e prioridades nacionais e locais.

 

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Referências

  1. Organização Pan Americana da Saúde. Estrutura integrada sustentável para a eliminação de doenças transmissíveis nas Américas. Nota conceitual. Washington, D.C.: OPAS; 2019. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51461.
  2. Organização Pan-Americana da Saúde. Iniciativa da OPAS de eliminação de doenças: Política para um enfoque integrado e sustentável visando as doenças transmissíveis nas Américas [Resolução CD57.R7]. 57º Conselho Diretor da OPAS, 71ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas; 30 de setembro a 4 de outubro de 2019. Washington, D.C.: OPAS; 2019. Disponível em: https://iris. paho.org/handle/10665.2/58142.
  3. Organização Mundial da Saúde. Eighth report of the Strategic and Technical Advisory Group for Neglected Tropical Diseases (STAG-NTDs). Genebra: OMS; 2015. Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/eighth-report-of-the-strategic-and-technical-advisory-group-for-neglected-tropical-diseases-(stag-ntds).
  4. Organização Pan-Americana da Saúde. Determinantes sociales de la salud. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 16 de agosto de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/determinantes-sociales-salud.
  5. Caffe S, Perez F, Kamb ML, Gomez Ponce de Leon R, Alonso M, Midy R, et al. Cuba validated as the first country to eliminate mother-to-child transmission of human immunodeficiency virus and congenital syphilis: lessons learned from the implementation of the global validation methodology. Sex Transm Dis. 2016;43(12):733–736. Disponível em: https://doi.org/10.1097/olq.0000000000000528.
  6. Organização Pan-Americana da Saúde. Regional consultation on disease elimination in the Americas. Washington, D.C.: OPAS; 2015. Disponível em: https://www.paho.org/en/documents/regionalconsultation-disease-elimination-americas.
  7. Organização Pan-Americana da Saúde. OPAS e Canadá unem esforços para eliminar o tracoma na América Latina e no Caribe. Washington, D.C.: OPAS; 2023 [consultado em 16 de agosto de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/22-9-2023-opas-e-canada-unem-esforcos-para-eliminar-tracoma-na-america-latina-e-no-caribe.
  8. Organização Mundial da Saúde. Global Tuberculosis Programme: social determinants. Geneva: WHO; c2024 [consultado em 16 de agosto de 2024]. Disponível em: https://www.who.int/teams/globaltuberculosis-programme/populations-comorbidities/social-determinants.
  9. Organização Pan-Americana da Saúde. Fundo Rotatório da OPAS. Washington, D.C.: OPAS; 2024 [consultado em 16 de agosto de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/fundo-rotatorio.
  10. GBD 2019 Diseases and Injuries Collaborators. Global burden of 369 diseases and injuries in 204 countries and territories, 1990–2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet. 2020;396(10258):1204–1222. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30925-9.
  11. Hambleton IR, Caixeta R, Jeyaseelan SM, Luciani S, Hennis AJM. The rising burden of non-communicable diseases in the Americas and the impact of population aging: a secondary analysis of available data. Lancet Reg Health Am. 2023;21:100483. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.lana.2023.100483.
  12. Ayorinde A, Ghosh I, Ali I, Zahair I, Olarewaju O, Singh M, et al. Health inequalities in infectious diseases: a systematic overview of reviews. BMJ Open. 2023;13(4):e067429. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-067429.
  13. Organização Pan-Americana da Saúde. Cambio climático y salud. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 16 de agosto de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/cambio-climatico-salud.
  14. Yglesias-Gonzalez M, Palmeiro-Silva Y, Sergeeva M, Cortés S, Hurtado-Epstein A, Buss DF, et al. Code Red for Health response in Latin America and the Caribbean: enhancing peoples’ health through climate action. Lancet Reg Health Am. 2022;11:100248. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.lana.2022.100248.
  15. Espinal MA, Alonso M, Sereno L, Escalada R, Saboya M, Ropero AM, et al. Sustaining communicable disease elimination efforts in the Americas in the wake of COVID-19. Lancet Reg Health Am. 2022;13:100313. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.lana.2022.100313.