Health in the Americas 2022

Acelerando a eliminação de doenças

Capítulo 3. Perspectivas sobre intervenções específicas para cada doença

Mãe segura bebê nos braços enquanto enfermeira vacina a criançaResumo

A Iniciativa de Eliminação de Doenças na Região das Américas enfrenta desafios complexos. Entre eles estão disparidades na atenção à saúde, barreiras políticas e econômicas e vigilância inadequada. O progresso rumo às metas de eliminação de doenças pode ser mensurado por meio da incidência e da prevalência, bem como com análises do impacto dos esforços de controle de doenças e projeções sobre a futura progressão das doenças. Essas análises ajudarão os Estados Membros a ajustar os programas com base nos dados existentes. Embora a Região esteja obtendo diferentes êxitos na luta contra as doenças da iniciativa, existem grandes disparidades entre os países e dentro deles, impulsionadas por iniquidades latentes em saúde e determinantes sociais da saúde. Para enfrentar as barreiras de acesso e assegurar o sucesso da iniciativa, é preciso urgentemente compreender melhor os mecanismos por trás da iniquidade.

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Desafios para alcançar a eliminação

A Iniciativa de Eliminação de Doenças enfrenta desafios complexos para atingir as metas específicas para cada doença. Entre eles estão disparidades na atenção à saúde, barreiras políticas e econômicas, vigilância inadequada e diversidade cultural e linguística. O capítulo anterior examinou o progresso das metas de eliminação; já este capítulo se aprofunda em algumas das doenças que ainda não atingiram suas metas, a fim de determinar quais estratégias funcionaram, quais são os desafios existentes e o que ainda há a fazer. Este capítulo também explora indicadores de equidade que podem ajudar a OPAS e os Estados Membros a assegurar que os esforços de eliminação de doenças cheguem às comunidades mais marginalizadas e desassistidas. Devido à disponibilidade limitada de dados e à necessidade de pontos de dados suficientes para obter prognósticos precisos, apenas um número limitado de doenças foi incluído na análise deste capítulo.

Câncer do colo do útero

Em 2022, as taxas de incidência e mortalidade padronizadas por idade para o câncer do colo do útero foram de 11,5 e 5,85 por 100 mil mulheres, respectivamente, o que representa 78 706 novos casos de câncer do colo do útero e quase 40 mil mortes estimadas (1). A carga de câncer do colo do útero na Região das Américas foi significativa, com taxas de mortalidade três vezes maiores na América Latina e no Caribe em comparação com a América do Norte, o que evidencia as grandes disparidades em termos de riqueza e acesso a serviços de saúde. Se as atuais tendências persistirem, a projeção é de que as mortes por câncer do colo do útero na Região cheguem a 5,37 por 100 mil mulheres até o final da iniciativa, em 2030 (Figura 5). A garantia de acesso e qualidade da atenção primária à saúde pode melhorar o rastreamento de lesões pré-cancerosas, e o tratamento dessas lesões pode evitar a progressão da doença. Além disso, a oferta de acesso universal à vacina contra o papilomavírus humano (HPV) poderia reduzir significativamente o risco de câncer do colo do útero em nível populacional (2). A eliminação do câncer do colo do útero também requer rastreamento e tratamento imediatos, além de cuidados paliativos.

Figura 5. Projeções de taxas de mortalidade por câncer do colo do útero ajustadas por idade na Região das Américas

Gráfico que mostra a evolução das projeções da taxa de mortalidade por câncer do colo do útero na Região das Américas

Fonte: Organização Mundial da Saúde. Global health estimates 2021: deaths by cause, age, sex, by country and by region, 2000–2021. Genebra: OMS; 2021 [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.who.int/data/gho/data/themes/mortality-and-global-health-estimates/gheleading- causes-of-death.

A OPAS está colaborando com os países para implementar o Plano de ação para prevenção e controle do câncer do colo do útero 2018–2030 (2). Isso envolve a prestação de assistência técnica e o fortalecimento dos programas de câncer do colo do útero, usando ferramentas e recursos existentes da OPAS e OMS. Além disso, os Fundos Rotativos Regionais da OPAS podem facilitar a compra de vacinas contra o HPV em grandes quantidades a um preço padronizado em toda a Região. A Iniciativa ProVac da OPAS também desenvolveu um modelo de custo-efetividade para ajudar no processo decisório para a introdução de vacinas contra o HPV e a melhoria das estratégias de rastreamento do câncer do colo do útero. Assegurar que essas ações sejam ampliadas em toda a Região, principalmente em áreas com alta prevalência de câncer do colo do útero e baixas taxas de vacinação, pode melhorar o progresso rumo à meta de eliminação.

Cólera

A meta regional de eliminação da cólera é a ausência de transmissão comunitária por pelo menos três anos consecutivos. Embora a Região não tenha registrado nenhum caso em 2020 e 2021, houve um ressurgimento em 2022. Um total de 56 355 e 149 casos foram notificados pelo Haiti e pela República Dominicana, respectivamente, em 2023 (3).

Como é difícil prever casos futuros, os esforços de eliminação da cólera precisam se concentrar em atividades de prevenção, preparação e resposta, juntamente com um sistema de vigilância robusto para a detecção precoce. Em termos de prevenção, a melhoria dos serviços de abastecimento de água e saneamento é a maneira mais sustentável de proteger a população contra a cólera e outras doenças diarreicas de veiculação hídrica, ainda que isso possa não ser realista para populações em situação de extrema pobreza na Região (3). Nesse contexto, o controle da mortalidade por cólera deve estar no centro das intervenções dos serviços de saúde. O uso dos tratamentos disponíveis é altamente efetivo para as pessoas infectadas: até 80% dos casos podem ser tratados com a administração precoce de sais de reidratação oral (4). A vigilância da cólera deve fazer parte de um sistema nacional integrado com feedback oportuno em nível local, regional e mundial, usando a definição padronizada de caso da OMS para estimar com precisão a carga mundial da cólera e desenvolver estratégias de apoio sustentáveis. Em países sem casos notificados de cólera, as autoridades sanitárias recomendam o monitoramento das tendências de diarreia aguda em adultos, a notificação imediata de casos suspeitos, a investigação de todos os aglomerados de casos suspeitos e a confirmação dos casos por meio de exames laboratoriais. A implementação da vacina contra a cólera é uma ferramenta eficiente para manejar surtos de cólera durante emergências complexas, inclusive crises humanitárias.

Fatores de risco ambientais

Na Região das Américas, fatores de risco ambientais podem levar a um aumento das taxas de doenças respiratórias, doenças tropicais e transmitidas por vetores, doenças cardiovasculares e outros problemas crônicos de saúde. A Região luta para mitigar o impacto desses perigos, uma vez que a gestão inadequada de resíduos, o desmatamento e a exposição a substâncias tóxicas continuam a comprometer a saúde pública e o bem-estar. A defecação a céu aberto contribui para a propagação de doenças infecciosas, contamina as fontes de água e prejudica os esforços de saneamento em muitas comunidades empobrecidas. Em 2000, 52,3 milhões de pessoas praticavam defecação a céu aberto e, em 2020, esse número havia caído para 11,1 milhões. A Iniciativa de Eliminação de Doenças tem como meta uma redução de 95% nesse comportamento entre 2020 e 2030. Em 2021, esse número diminuiu ainda mais, para 9,1 milhões de pessoas. É provável que essa prática continue se reduzindo gradualmente. Até 2026, a iniciativa prevê que 0,01% da população da Região continuará defecando a céu aberto e, em anos seguintes, esse valor deve se aproximar de 0.

Figura 6. Porcentagem da população que pratica a defecação a céu aberto na Região das Américas

Gráfico mostrando a porcentagem da população praticando defecação a céu aberto entre 2000 e 2022 na Região das Américas

Fonte: Organização Mundial da Saúde. The global health observatory. Genebra: OMS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.who.int/data/gho.

A redução do número de pessoas da Região que dependem do uso doméstico de combustíveis poluentes melhorará os resultados de saúde e protegerá o meio ambiente. Avaliar quantas pessoas dependem principalmente de combustíveis poluentes para cozinhar pode servir de indicador substituto para estimar o progresso associado ao uso de combustíveis poluentes em toda a Região. A análise de prognóstico indica que, até 2030, a porcentagem estimada de pessoas que dependem de combustíveis poluentes será de 5,96%, próxima à meta de 5% da Iniciativa de Eliminação de Doenças.

A OPAS fornece apoio técnico aos Estados Membros para gerar evidências a fim de gerenciar melhor os serviços de água e saneamento, bem como para revisar as contas financeiras do setor usando instrumentos como a Análise e Avaliação Global do Saneamento e Água Potável (GLAAS) e o Monitoramento do Financiamento para Água, Saneamento e Higiene (TrackFin) (5). Além disso, estão sendo envidados esforços para divulgar diretrizes técnicas e fortalecer os sistemas de vigilância (5).

A OPAS também apoia a melhoria do desempenho dos programas de saúde ambiental, combinada com ações para criar um setor de saúde sustentável e resiliente do ponto de vista ambiental, estimando a pegada de poluição do ar do setor e promovendo o uso de energia limpa (6).

Figura 7. Porcentagem da população que depende principalmente de combustíveis e tecnologias poluentes para cozinhar na Região das Américas

Gráfico mostrando a porcentagem da população que depende principalmente de combustíveis poluentes para cozinhar.

Fonte: Organização Mundial da Saúde. The global health observatory. Genebra: OMS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.who.int/data/gho.

Transmissão materno-infantil

A taxa de transmissão materno-infantil (TMI) do HIV na Região vem gradualmente diminuindo. Em 2022, 4 900 novas infecções entre crianças foram evitadas graças à estratégia de TMI. Entretanto, para atingir a meta de 2030 (2% ou menos de TMI do HIV), é necessário implementar ações como aumentar o acesso a testagem e tratamento do HIV para gestantes.

Figura 8. Taxa de transmissão materno-infantil do HIV na Região das Américas

Gráfico mostrando a porcentagem de transmissão do HIV de mãe para filho em nascimentos de mulheres vivendo com HIV

Fonte: Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. AIDSinfo. Genebra: UNAIDS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://aidsinfo.unaids.org.

Figura 9. Taxa de incidência de sífilis congênita na Região das Américas

Gráfico que mostra a evolução da taxa de incidência de sífilis congênita por 1.000 nascidos vivos na Região das Américas

Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde. Prevención, control y eliminación de enfermedades transmisibles. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/prevencion-control-eliminacion-enfermedades-transmisibles. Países excluídos da análise: Barbados, Bonaire, Curaçao, Granada, Guadalupe, Guiana Francesa, Haiti, Martinica, República Dominicana, Saba, Santo Eustáquio, Sint Maarten e Suriname.

A sífilis está aumentando na Região, o que significa maior prevalência entre gestantes e maiores taxas de sífilis congênita. O controle da transmissão materno-infantil da sífilis impõe grandes desafios, incluindo acesso limitado a serviços integrais de atendimento pré-natal, diagnóstico e tratamento, principalmente em áreas rurais e desassistidas. A falta de conhecimento sobre a sífilis complica ainda mais os esforços de prevenção. As barreiras para um tratamento oportuno e efetivo incluem escassez de penicilina, restrições sobre quem pode prescrever o medicamento e falta de seguimento após o tratamento. A análise de prognóstico sugere que, até 2030, a taxa de sífilis congênita chegará a quase 3,7 por 1 000 nascidos vivos. Essa tendência, portanto, segue na direção oposta à meta de eliminação, de 0,5 por 1 000 nascidos vivos.

HIV

Se as tendências atuais persistirem, o número estimado de mortes relacionadas ao HIV até 2030 ficará muito acima da meta estabelecida de 65% de redução em comparação com os registrados em 2010.

Figura 10. Número de pessoas que morrem por causas relacionadas ao HIV na Região das Américas

Gráfico que mostra a evolução do número de pessoas que morrem por causas relacionadas ao HIV nas Américas

Fonte: Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. AIDSinfo. Genebra: UNAIDS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://aidsinfo.unaids.org.

A taxa de novas infecções por HIV na Região está diminuindo, com projeções de uma taxa de 0,14 caso por 1000 habitantes não infectados até 2030. Para acelerar o progresso e atingir a meta para 2030 (0,02 caso novo por 1000 habitantes), é essencial ampliar o acesso à prevenção combinada, com foco nas populações-chave (7). A 75ª Assembleia Mundial da Saúde endossou Estratégias Globais do Setor de Saúde (GHSS) sobre HIV, hepatite viral e ISTs para o período 2022–2030. As GHSS visam guiar os países na implementação de programas efetivos de prevenção e tratamento, com o objetivo de acabar com as epidemias de HIV, hepatite viral e ISTs como problemas de saúde pública até 2030 (8).

Figura 11. Novas infecções por HIV na Região das Américas

Gráfico mostrando o número de novas infecções por HIV por 1.000 habitantes não infectados na Região das Américas

Fonte: Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. AIDSinfo. Genebra: UNAIDS; [sem data] [consultado em 16 de setembro de 2024]. Disponível em: https://aidsinfo.unaids.org.

Tuberculose

Em 2022, a tuberculose continuava sendo uma das doenças infecciosas que mais matam no mundo e a principal causa de morte entre as pessoas que vivem com HIV/aids. A Figura 13 mostra que a taxa de incidência variou, com um declínio acentuado durante os anos de 2019 e 2020, provavelmente devido a interrupções no processo de notificação causadas pela pandemia de COVID‑19. As projeções indicam um possível aumento na taxa de incidência até 2030, frisando a necessidade constante de esforços sustentados para combater a tuberculose na Região.

Figura 12. Taxa de incidência da tuberculose na Região das Américas

Gráfico que mostra a evolução da taxa de incidência de tuberculose na Região das Américas

Fonte: Organização Mundial da Saúde. Informe mundial sobre la tuberculosis 2021. Genebra: OMS; 2021. https://iris.who.int/handle/10665/365779.

A OPAS e a OMS estão apoiando ativamente os países da Região por meio de várias iniciativas para reduzir a incidência e a mortalidade da tuberculose. A Estratégia pelo Fim da TB tem como objetivo acabar com a epidemia mundial de tuberculose. A estratégia se concentra em reduzir as mortes por tuberculose em 95% em comparação a 2015, reduzir a ocorrência de casos novos em 90% entre 2015 e 2035 e garantir que nenhuma família enfrente custos catastróficos devido à tuberculose. A resposta da OPAS à tuberculose se concentra em seis áreas principais: proporcionar liderança regional e fomentar parcerias; promover a pesquisa e a inovação; elaborar e promover normas e padrões baseados em evidências; formular opções de políticas éticas; oferecer suporte técnico especializado aos países; e monitorar e publicar relatórios (9).

Em setembro de 2023, na segunda Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre Tuberculose, chefes de Estado do mundo todo reafirmaram seu compromisso por meio de uma nova declaração política que inclui metas ambiciosas a serem atingidas até 2027 (10). Eles concordaram que os países devem acelerar a implementação de ferramentas e inovações baseadas em evidências, como: ferramentas de rastreamento mais sensíveis, como sistemas digitais de raios X com inteligência artificial para aumentar a detecção da tuberculose; testes rápidos moleculares para diagnóstico precoce; esquemas encurtados de tratamento que possam aumentar a taxa de sucesso do tratamento; e tratamento preventivo da tuberculose para interromper a transmissão comunitária e prevenir novas infecções. É necessária uma resposta multissetorial que inclua a participação significativa de parlamentares, da sociedade civil e das comunidades afetadas.

Doenças transmitidas por vetores

A dinâmica dos casos de febre amarela na Região das Américas tem variado significativamente ao longo dos anos. Essa arbovirose com reservatório silvestre está presente em 13 países da área intertropical da Região. Embora a natureza complexa da doença dificulte um prognóstico preciso do número esperado de casos de febre amarela, é essencial planejar ações concretas de prevenção e controle.

A OPAS está implementando a iniciativa de eliminação das epidemias de febre amarela, com foco na ampliação da cobertura vacinal contra a febre amarela, no fortalecimento das redes de laboratórios e no aumento da vigilância e caracterização de epizootias. Isso inclui a elaboração de diretrizes para os níveis distrital, estadual e nacional. A OPAS também elaborou um mapa detalhado das áreas de risco de febre amarela com base nas condições ambientais e geográficas a fim de orientar a formulação de políticas de vacinação (11).

O número de casos de malária também variou consideravelmente ao longo dos anos. A projeção para 2030 é de 487 698 casos. As mudanças na incidência da malária nos últimos anos confirmam a forte relação entre a transmissão da malária e os fatores sociais e econômicos que geram movimentos populacionais e mudanças no uso da terra. De 2016 a 2019, o aumento da mineração de ouro na América do Sul gerou um crescimento significativo na transmissão. Em 2023, as áreas de mineração e as comunidades indígenas se tornaram as áreas de maior transmissão da Região.

Para combater a malária, a OPAS elaborou o Plano de ação para a eliminação da malária 2021–2025, em consulta com os países e parceiros regionais. Esse documento orienta os planos nacionais e promove uma abordagem interprogramática e intersetorial, além de esforços conjuntos entre países e parceiros. O documento enfatiza a necessidade de combater os principais focos de malária em cada país com soluções operacionais específicas e baseadas em informações. A continuidade dessas iniciativas é crucial para controlar e, com o tempo, eliminar a malária na Região (12).

Figura 13. Casos projetados de malária na Região das Américas

Gráfico mostrando a evolução dos casos projetados de febre amarela nas Américas

Fonte: Programa Mundial contra Malária da Organização Mundial da Saúde. World malaria report 2023. Genebra: OMS; 2023. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240086173.

Não deixar ninguém para trás: mensurando e enfrentando a iniquidade

A Região está enfrentando desigualdades estruturais profundamente arraigadas, com impactos significativos sobre os resultados de saúde e as oportunidades (13). As mais de 30 doenças e condições da Iniciativa de Eliminação de Doenças afetam de forma desproporcional pessoas em situação de vulnerabilidade, que enfrentam estigma, desafios ambientais e acesso limitado à atenção à saúde. Por exemplo, as comunidades indígenas no Chaco (que abrange vários países da América do Sul) e em Mosquitia (Honduras) continuam lutando contra doenças eliminadas em outros lugares, destacando o impacto persistente da desigualdade na saúde.

Para que a Iniciativa de Eliminação de Doenças seja bem-sucedida, os Estados Membros precisam resolver iniquidades latentes em saúde e reconhecer os determinantes sociais e ambientais da saúde. A primeira etapa desse processo é uma avaliação rigorosa da desigualdade em saúde, o que ajuda os Estados Membros a enfrentar as iniquidades enquanto trabalham para atingir as metas de eliminação sem deixar ninguém para trás. Esse tipo de avaliação normalmente requer uma análise de como os resultados de saúde são distribuídos entre diferentes grupos sociais. Os programas de saúde podem, por exemplo, analisar a incidência de uma doença, comparando indivíduos com base em seus níveis de renda, ou investigar como os resultados de saúde variam em diferentes áreas geográficas (como países ou distritos) classificadas segundo fatores sociais. Sexo, gênero, etnia, deficiência e idade, por exemplo, são dimensões importantes que podem afetar os resultados de saúde.

Os programas de saúde podem mensurar essas desigualdades em saúde usando estatísticas-resumo, como o índice angular de desigualdade (IAD) e o índice de concentração (CIx, na sigla em inglês). O IAD é usado para quantificar a desigualdade nos resultados de saúde, geralmente com base na escolaridade ou na renda. Esse índice representa a diferença absoluta nos resultados de saúde entre indivíduos hipotéticos na base e no topo da distribuição de escolaridade ou renda. O CIx mede a desigualdade relativa em saúde por meio da quantificação de como uma variável de saúde está distribuída entre os grupos socioeconômicos. Esse índice fornece uma estatística resumida que indica se o desfecho de saúde está distribuído de forma desproporcional entre pessoas pobres ou ricas. Em ambos os índices, o valor 0 indica igualdade perfeita, ao passo que valores negativos mostram concentração entre os mais desfavorecidos (grupos mais pobres) e valores positivos, entre os mais favorecidos (grupos mais ricos). Os dois índices são úteis na comparação das desigualdades em saúde entre diferentes populações ou períodos de tempo e são amplamente utilizados em economia da saúde e epidemiologia. O IAD mede a desigualdade absoluta (a diferença real entre os resultados), enquanto o CIx mede a desigualdade relativa com base em uma curva de concentração, indicando como os resultados de saúde estão distribuídos entre os grupos socioeconômicos (14, 15).

As Tabelas 2 e 3 apresentam medidas de IAD e CIx, criadas usando dados do estudo Carga Global de Doença 2021 (16) e o índice de desenvolvimento sustentável da OPAS. A Tabela 2 mostra as medidas-resumo de desigualdade (IAD e CIx) na incidência de algumas doenças ao longo do tempo, além das taxas médias de incidência regional correspondentes. A Tabela 3 mostra esses valores para a mortalidade pelas mesmas doenças. Os resultados indicam desigualdades altas e persistentes entre os países (valores em sua maioria negativos nas colunas IAD e CIx). Para algumas doenças, o excesso de incidência nos países mais afetados foi mais do que o dobro da média regional em 2021. A carga de mortalidade também está concentrada de forma desproporcional nos países mais desfavorecidos.

 

Tabela 2
Desigualdade na incidência de algumas doenças da Iniciativa de Eliminação de Doenças na Região das Américas: dados de 2015, 2019 e 2021

 DoençaAnoMédia
Regional
(x)
Desigualdade
Absoluta
(SII)
Desigualdade
Relativa
(CIx)
HIV/aids201518.9-4.8-5.1
201919.0-5.4-5.0
202118.2-4.7-4.4
Câncer do colo do útero201510.9-7.7-13.0
201911.0-9.5-16.3
202110.9-10.2-18.2
Tuberculose201519.1-80.3-47.5
201918.6-72.4-45.6
202118.2-70.1-45.1
Hepatite B2015218.8-333.6-25.6
2019196.1-301.9-25.1
2021186.0-305.9-26.1
Hepatite C201569.6-59.3-18.4
201967.4-54.1-16.4
202167.6-52.6-16.2

Taxas padronizadas por idade por 100 mil habitantes. Dados de 36 países e territórios da Região das Américas.
Fonte: Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde. Carga Global de Doença 2021: Descobertas do Estudo GBD 2021. Seattle: IHME; 2024. Disponível em: https://www.healthdata.org/sites/default/files/2024-06/GBD_2021_Booklet_PT_FINAL_2024.06.25.pdf.

 

Tabela 3
Desigualdade na mortalidade de algumas doenças da Iniciativa de Eliminação de Doenças na Região das Américas: dados de 2015, 2019 e 2021

 DoençaAnoMédia
Regional
(x)
Desigualdade
Absoluta
(SII)
Desigualdade
Relativa
(CIx)
HIV/aids20155.2-8.6-34.7
20194.4-7.9-36.0
20214.1-7.1-34.2
Câncer do colo do útero20154.1-7.0-27.0
20194.0-7.2-29.2
20213.9-7.2-30.5
Tuberculose20152.3-10.7-53.9
20192.1-8.7-51.2
20212.0-8.1-52.2
Hepatite B*20152.8-0.06-34.5
20192.4-0.05-33.0
20212.3-0.04-31.8
Hepatite C*20150.63-0.01-33.4
20190.59-0.01-29.2
20210.55-0.01-28.5

Taxas padronizadas por idade por 100 mil habitantes. Dados de 36 países e territórios da Região das Américas.
*Taxas padronizadas por idade por 10 milhões de habitantes.
Fonte: Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde. Carga Global de Doença 2021: Descobertas do Estudo GBD 2021. Seattle: IHME; 2024. Disponível em: https://www.healthdata.org/sites/default/files/2024-06/GBD_2021_Booklet_PT_FINAL_2024.06.25.pdf.

 

Estudo de caso: padrões de desigualdade em quatro países

As disparidades na saúde observadas entre os países com relação às doenças selecionadas (Tabelas 2 e 3) também existem internamente. A distribuição desigual do risco de incidência e mortalidade por essas doenças se repete em níveis geográficos menores dentro dos países. Esse padrão, influenciado por fatores sociais e ambientais, é demonstrado na Figura 14. Cada painel da Figura 14 mostra como os resultados de saúde das doenças selecionadas variam dentro de um determinado país com base em fatores socioeconômicos.

O Painel A apresenta a incidência de câncer do colo do útero em 33 departamentos da Colômbia, agrupados por níveis de pobreza. As áreas mais pobres têm 8 casos a mais por 100 mil mulheres (uma incidência 64% maior do que nas áreas mais ricas) (17).

O Painel B apresenta a incidência de HIV em 51 estados e territórios dos Estados Unidos, classificados pelo índice sociodemográfico (ISD), um indicador composto que mede o desenvolvimento sustentável em três dimensões principais: econômica, social e ambiental. A figura mostra uma diferença de 7 casos por 100 000 indivíduos entre os grupos com índice mais alto e mais baixo (16).

O Painel C apresenta dados de mortalidade por tuberculose em 32 entidades federativas do México classificadas segundo o ISD. O IAD é –0,90, o que significa que há 1 morte adicional por 100 mil indivíduos em todo o gradiente social. Embora pareça pequeno, esse número representa cerca de 50% da taxa nacional de mortalidade por tuberculose (16).

O Painel D mostra como os casos novos de hepatite B estão distribuídos nas 27 unidades federativas do Brasil, que são classificadas de acordo com o ISD. O gráfico sugere um nível moderado de desigualdade: 60% dos casos novos de hepatite B no Brasil foram encontrados na metade correspondente às unidades federativas mais desfavorecidas socialmente (16).

Figura 14. Desigualdades dentro dos países em relação a algumas doenças da Iniciativa de Eliminação de Doenças

Painel de gráficos mostrando dados relacionados às desigualdades dentro dos países da região das Américas

Como ilustram os dados apresentados, as desigualdades em saúde, profundamente arraigadas em fatores sociais, são generalizadas na Região das Américas. À medida que a Região trabalha para eliminar as doenças transmissíveis, é fundamental compreender os mecanismos por trás das desigualdades e monitorar de perto as mudanças ao longo do tempo. Em outras palavras, a OPAS e os Estados Membros não devem se concentrar apenas em chegar aos grupos de difícil acesso, mas também em abordar os fatores sociais subjacentes que tornam esses grupos mais suscetíveis à desigualdade. Isso implica desenvolver estratégias e implementar intervenções efetivas e culturalmente adequadas capazes de criar mudanças positivas e duradouras nas condições sociais que afetam esses grupos. Dessa forma, será possível priorizar os grupos mais marginalizados e socialmente excluídos.

Referências

  1. Bray F, Laversanne M, Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Soerjomataram I, et al. Global cancer statistics 2022: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2024;74(3):229–263. Disponível em: https://doi.org/10.3322/caac.21834.
  2. Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para prevenção e controle do câncer do colo do útero 2018–2030. 56º Conselho Diretor da OPAS, 70ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas; 23 a 27 de setembro de 2018. Washington, D.C.: OPAS; 2018. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/59831.
  3. Organização Pan-Americana da Saúde. Ressurgimento da cólera em Hispaniola. Washington, D.C.: OPAS; 2024 [consultado em 13 de setembro de 2024]. Disponível em: https://shiny.paho-phe.org/cholera.
  4. Organização Pan-Americana da Saúde. Cólera: orientaciones y recursos técnicos. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 13 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/resurgimiento-colera-hispaniola/colera-orientaciones-recursos-tecnicos.
  5. Organização Pan-Americana da Saúde. Agua y Saneamiento. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 13 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/agua-saneamiento.
  6. Organização Pan-Americana da Saúde. Calidad del aire. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 13 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/calidad-aire.
  7. Organização Pan-Americana da Saúde. Prevención combinada de la infección por el VIH. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 11 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/prevencion-combinada-infeccion-por-vih.
  8. Organização Pan-Americana da Saúde. HIV/aids. Washington, D.C.: OPAS; [sem data] [consultado em 11 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.paho.org/es/temas/vihsida.
  9. Organização Mundial da Saúde. Tuberculosis. Genebra: OMS; 2023 [consultado em 11 de setembro de 2024]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tuberculosis.
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